quinta-feira, 5 de julho de 2012

Xuxa Contra o Google: Pedofilia é pretexto para censura

Xuxa Contra o Google: Pedofilia é pretexto para censura
Xuxa Contra o Google: Pedofilia é pretexto para censura
O Estado deve ficar o mais longe possível da internet, pois ela ainda consegue dar a um menino de 11 anos o mesmo poder de um candidato a presidente:

A história se passava num casarão cheio de mulheres e, no meio delas, um menino de 12 anos se esgueirava pelos cantos, desvendando um mundo onírico, envolto em seda e renda. E esse conto de fadas se deixava entrever pelos buracos das fechaduras, revelando a intimidade daqueles belos corpos, cujos seios roliços desafiavam a gravidade ante os olhos gulosos e assustados da criança. Até que um dia, como um presente inesperado, a mais jovem das fadas desnudou o seio rijo e farto e, depois, deitou-se inteiramente nua sobre o menino, chamando-o de “sabonetinho” e guiando a inexperiente mão da criança pela intimidade tépida e desconhecida, que ela lhe revelava aos sussurros: “Eu sou uma ursinha macia, olha como eu sou macia”.

Essa cena de pedofilia explícita — que, hoje, levaria seus protagonistas e até espectadores para a cadeia — já esteve em cartaz em Goiânia, no Cine Cultura do Centro Cultural Marieta Teles Machado, no início da década de 90, numa época em que o sexo com crianças era estimulado por muitos intelectuais em filmes e livros. Trata-se de uma cena do filme “Amor, Estranho Amor”, de Walter Hugo Khouri (1929-2003), em que a modelo Xuxa Meneghel, antes de se tornar a “Rainha dos Baixinhos”, faz o papel de uma prostituta saindo da adolescência e protagoniza cenas eróticas com um menino de 12 anos. Nesse filme, o ator mirim Marcelo Ribeiro não foi objeto apenas das cenas de pedofilia — ele também encenou um incesto com sua própria mãe no filme, interpretada pela atriz Vera Fischer. Por isso, esse filme esteve quase banido da internet, mas agora tende a voltar em cartaz no You Tube e outros provedores, pois a Justiça acaba de dar ganho de causa ao Google numa ação movida por Xuxa contra a empresa.

Numa das cenas finais de “A­mor, Estranho Amor”, Vera Fischer acalenta o filho como se fora sua amante, abrindo o roupão para recebê-lo nos seios nus, que o menino quase beija, antes de deslizar os lábios sôfregos pelo corpo desnudo da mãe, numa cena que insinua sexo oral. Essa mistura de pedofilia e incesto rendeu a Vera Fischer duas importantes premiações: o Prêmio Candango do Festival de Cinema de Brasília e o Prêmio Air France de Cinema, ambos em 1982, ano de lançamento do filme. Como a película fora rodada em 1979, três anos antes, até Xuxa Meneghel era menor de idade: tinha 16 para 17 anos. Era apenas um pouco mais velha do que a atriz Flávia Monteiro quando esta última protagonizou, em 1986, com apenas 14 anos, as tórridas cenas de sexo do filme “A Menina do Lado”, de Alberto Salvá (1938-2011), contracenando nua com o ator Reginaldo Faria, na época com 49 anos.

Da mesma forma que ocorrera quatro anos antes com “Amor, Estranho Amor”, as cenas de pe­dofilia do filme “A Menina do Lado” não escandalizavam ninguém — pelo contrário, levavam os críticos ao delírio. Tanto que a obra foi indicada para a categoria “Melhor Filme” do Festival de Gramado, e os atores Reginaldo Faria e Flávia Monteiro saíram de lá com os Kikitos nas categorias de Melhor Ator e Melhor Atriz Co­adjuvante. Tudo isso, pasmem os leitores, em 1988, ou seja, há me­nos de um quarto de século. Parece inacreditável que a pedofilia — hoje transformada em crime hediondo até em pensamento — já tenha sido premiada nos maiores festivais de cinema brasileiros e internacionais. E o que é ainda mais incrível: sem que houvesse uma reposição completa dos intelectuais influentes no país, pois muitos dos que ontem aplaudiam a premiação de Vera Fischer e Re­ginaldo Faria pelo erotismo com crianças são os mesmos que hoje aplaudem a indiscriminada caça à pedofilia na internet.

Erotismo para crianças

Não é à toa que Xuxa foi de um extremo a outro do espectro moral: ela passou de protagonista de filme erótico com um menino para o papel de babá eletrônica de gerações de crianças, ocupando o lugar de pais e professores. E se depender de alguns acadêmicos influentes, poderá se tornar amazona da luta contra a pedofilia. Em 26 de maio último, logo após Xuxa declarar ao “Fan­tástico” da Rede Globo, que tinha sido abusada sexualmente até os 13 anos, a professora Débora Diniz, doutora em Antropologia pela UnB e autora de vários livros, publicou no jornal “O Estado de S.Paulo” o artigo “Pesadelo de Menina”, em que afirma que “nem Xuxa nem as meninas anônimas são responsáveis pelo abuso; nem Xuxa nem as mães das meninas anônimas são capazes, sozinhas, de enfrentar a força patriarcal”. E imaginando fechar o artigo com chave de ouro, conclui: “Entre sonho e pesadelo, a voz de Xuxa deve ser poderosa para romper o silêncio masculino da casa. Quem fala é a rainha dos baixinhos, uma mulher que nunca reconheceu limites para entrar na casa dos homens”.

De fato, Xuxa nunca conheceu limites para entrar na casa dos homens. Começando pela sem-cerimônia com que erotizava as crianças da família em seus áureos tempos na Rede Globo. No artigo “Xou de Horrores”, publicado em seu blog no portal R7, em 21 de maio último, o jornalista André Forastieri lembrou a vinheta de abertura do programa “Xou da Xuxa” de 1988: “Primeiro você vê as faces felizes de criancinhas bonitinhas, de várias cores, meninos, meninas, pintadinhos como bichinhos, de dez anos pra menos. Alguns garotos fazem cara de moleque peralta. Algumas garotinhas piscam e mandam beijinhos. Aí entram em cena as coxas roliças e bronzeadas da mulher. O short está enfiado no bumbum malhado. A letra, em coro: ‘É bom brincar com você, deixar rolar solto o que a gente quiser’. Está além do sugestivo. É direto mesmo”.

O jornalista disponibiliza em seu blog a vinheta de abertura do “Xou da Xuxa” e é possível constatar que ele tem razão.

Analisando as imagens, fica-se tentado a crer em teoria da conspiração. Porque, nada, nada mesmo, justifica o conjunto: o que fazem as nádegas quase nuas de uma mulher adulta virtualmente esfregando-se, o tempo todo, nos rostinhos pintados que se revezam na tela? O bumbum de Xuxa é a grande estrela da vinheta. O rosto da apresentadora só aparece no fim, depois que a câmera desliza sobre seu corpo, em pose frontal, realçando de frente o shortinho apertado. Só agindo de propósito, com base não só numa ideologia, mas numa teleologia, é possível produzir uma vinheta para crianças fazendo o universo infantil girar em torno das nádegas desnudas de uma mulher, como fizeram os criadores da vinheta de Xuxa em 1988.
Ideólogos da pedofilia

Levando em conta que aquela vinheta era contemporânea dos dois filmes pedófilos premiadíssimos — “Amor, Estranho Amor” e a “A Menina do Lado” —, é possível especular que a erotização precoce das crianças nos anos 80 foi um instrumento planejado para acelerar a liberação dos costumes e a aceitação do homossexualismo. Não se trata de uma teoria da conspiração, mas de uma tese plausível, que se encontra no excelente livro do ensaísta francês Jean-Claude Guillebaud, “A Tirania do Prazer” (Editora Record, 1998). Neste livro o autor relembra como o sexo com crianças, até meados dos anos 80, era uma prática defendida por reconhecidos intelectuais europeus e norte-americanos, sem que ninguém se escandalizasse. “Não causava espécie que um escritor reconhecido, Gabriel Matzneff, se visse convidado a uma entrevista televisiva para apresentar um de seus livros exaltando o amor físico com meninos de menos de quinze anos”, conta.

Segundo Guillebaud, até meados dos anos 80, “ninguém se impressionava de forma duradoura ao ver expresso na grande imprensa um militantismo pedófilo explícito”.  E acrescenta: “Disso dão testemunho (entre inúmeros outros) os veementes arrazoados pedófilos do filósofo René Scherer, publicados em 1978. Neste mesmo ano, o escritor Tony Duvert publicou o romance “Quand Mourut Jonathan” (Quan­do Jo­nathan Morreu), em que relata o amor consumado entre um pintor de meia idade e um garotinho de 8 anos. Em sua edição de 14 de abril de 1978, o “Le Monde” saudou a obra com entusiasmo: “Aprende-se (neste romance) que o amor morre quando se torna social e vive quando mergulha na animalidade”. E no “Le Matin de Paris”, de 27 de março do ano seguinte, a escritora e ensaísta Madeleine Chapsal faz um elogio entusiasmado ao pedófilo militante Tony Duvert, afirmando que suas obras, num total de dez livros até então, “tocam o corpo e o coração da infância”.

Foi nesse contexto de cultivo explícito da pedofilia por parte dos intelectuais que o “Xou da Xuxa” surgiu e se tornou sucesso, mudando o paradigma moral da infância brasileira. Mesmo sem ter consciência disso, Xuxa ajudou a preparar o caminho para o Estatuto da Criança e do Adolescente, revogando, na prática, o pátrio poder, ao retirar a criança da influência dos pais para atirá-la no turbilhão do consumo. Se Xuxa merece perdão não é pelo improvável abuso sexual que diz ter sofrido (ao menos nos termos em que contou ao “Fantástico”), mas por ter sido vítima do abuso ideológico de uma geração de intelectuais devassos, começando por cineastas como Walter Hugo Khouri, que disfarçavam a pornografia de seus filmes com uma psicanálise de almanaque, como ocorre em “Amor, Estranho Amor”.
Desumanizando crianças

Irônico é ver o Brasil mergulhado numa verdadeira cruzada inquisitorial contra a pedofilia sem questionar as raízes ideológicas da erotização da infância, que nasceu do conluio entre a amoralidade pragmática do capitalismo, que sempre se adapta às circunstâncias, inclusive ideológicas (basta pensar nas multinacionais que atuam na China), e a imoralidade intencional do marxismo, que busca subverter o que chama de “moral burguesa” para melhor promover o caos e tentar a revolução. Por isso é tão fácil para essa gente criminalizar a família, como parece fazer a antropóloga Débora Diniz no citado artigo. Diz ela: “A casa é um espaço de risco para as meninas. Elas são vítimas do desejo obsceno dos homens, sejam eles pais, amigos ou vizinhos. As meninas emudecem-se diante do assédio — temem os agressores pela força com que eles as ameaçam, sentem vergonha de suas mães, imaginam-se culpadas pelo sexo que carregam entre as pernas infantis”.

Atentem para as imagens naturalistas, quase bestiais, utilizadas pela antropóloga, uma professora de universidade pública, cujo salário é pago também por esses pais que são tratados como maníacos sexuais, e cujas filhas pequenas já não têm direito à inocência, pois precisam ser confrontadas com a crueza do “sexo que carregam entre as pernas infantis”, nas palavras da doutora da UnB. Débora Diniz gosta tanto dessa imagem que a repete mais uma vez em seu lamentável artigo, ao falar das meninas que foram abusadas sexualmente: “É preciso dizer a elas que ‘não, a culpa não foi sua, menina’. Não há culpa em carregar um sexo entre as pernas”, insiste. O mestre Machado de Assis, criticando a linguagem naturalista do grande Eça de Queirós no “Primo Basílio”, observou a respeito de uma cena do romance: “De uma carvoeira, à porta da loja, diz ele que apresentava a ‘gravidez bestial’. Bestial por quê? Naturalmente, porque o adjetivo avolume o substantivo e o autor não vê ali o sinal da maternidade humana; vê um fenômeno animal, nada mais”.

Creio que se pode dizer o mesmo daquela frase de Débora Diniz sobre as meninas: ela não parece ver no sexo o pudor que nos faz humanos — vê um fenômeno animal, nada mais.

Essa, aliás, é uma grande contradição dos intelectuais universitários. Ao mesmo tempo em que se engajam no movimento de combate à pedofilia, colocando em risco até a liberdade de expressão na internet, empenham-se em lembrar a todo instante que as crianças têm sexo e, mais, que são “sujeitos de direitos” até nisso. Daí o apoio amplo, geral e irrestrito que sempre deram à distribuição de camisinhas nas escolas públicas, iniciada no governo Fernando Henrique e avacalhada pelo governo Lula da Silva, que passou a entregar camisinha até para meninas de 10 anos, como se oficializasse de vez a pedofilia. Essa verdadeira esquizofrenia moral, que transformou o falso combate à pedofilia numa grife de sucesso do politicamente correto, pode ter induzido Xuxa a se ver como vítima da pedofilia, justamente ela, que não só em “Amor, Estranho Amor”, mas em toda a sua carreira na Rede Globo, sitiava as crianças com apelos eróticos.
Passado incômodo

Tentando apagar esse passado incômodo, Xuxa conseguiu banir o filme das locadoras, cinemas e emissoras de TV, mediante um acordo financeiro na Justiça com a produtora Cinearte Produções Cine­ma­tográficas, detentora dos direitos autorais da obra. Mas, com o advento da internet, a apresentadora vem tendo um trabalho ainda maior para se livrar do seu passado de atriz de filme erótico. Mesmo assim, Xuxa quase conseguiu banir da internet as cópias integrais de “Amor, Estranho Amor”, restando alguns vídeos de baixíssima resolução no You Tube. A apresentadora ingressou na Justiça contra o Google e conseguiu, em primeira instância, proibir as imagens do filme bem como quaisquer conexões associando seu nome a termos como “pedofilia” ou “pornografia”. Para cada conexão que escapasse a essa proibição, o Google teria que pagar R$ 20 mil reais a Xuxa.

O Google entrou com recurso no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e conseguiu reverter apenas parcialmente a decisão de primeira instância. O tribunal fluminense entendeu que os links não precisariam ser banidos do mecanismo de busca, mas manteve a decisão inicial de proibição das imagens de Xuxa associadas a pornografia ou pedofilia. Mesmo assim, a apresentadora não ficou contente e recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, tentando manter a proibição total, de imagens e links, que havia obtido em primeira instância. Mas o tiro saiu pela culatra: o STJ deu ganho de causa ao Google, liberando até mesmo as fotos.

No entender do Superior Tri­bunal de Justiça, o Google é apenas um intermediário, uma vez que não hospeda diretamente conteúdo, funcionando, nesse caso, basicamente como um mecanismo de busca. A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, considerou que não cabe ao ofendido (no caso, Xuxa) exigir que o Google suprima os links que remetem ao conteúdo ofensivo e, sim, adotar as medidas necessárias junto ao provedor do referido conteúdo para que ele seja suprimido da rede mundial de computadores. A relatora reconheceu a dificuldade desse procedimento, mas reiterou que o serviço de pesquisa não poderia ser penalizado por um dano que não causou, já que não hospeda o conteúdo que está sendo questionado.
Ações contra o Google

Finalmente uma decisão acertada da Justiça envolvendo o Google em casos do gênero. Pena que ela não represente uma tendência em favor da liberdade de expressão, pois em outra ação apreciada pelo STJ na semana passada — e relatada pela própria ministra que deu ganho de causa ao Google contra Xuxa — a decisão foi no sentido oposto. Uma mulher foi vítima de difamação no Orkut por parte do criador de um perfil falso. Como o Google, responsável pelo Orkut, demorou dois meses para excluir o perfil, a vítima recorreu à Justiça e, na primeira instância, a decisão lhe foi favorável, obtendo uma indenização de R$ 20 mil a ser paga pelo Google. O provedor recorreu ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que manteve a decisão de primeira instância, apenas reduzindo a multa para R$ 10 mil.

Nesse caso, o Google realmente tinha culpa, pois é diretamente responsável pelo Orkut, não sendo apenas um mecanismo de busca em relação aos usuários do serviço. Todavia, a decisão não deixa de ser preocupante, pois a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu o prazo de 24 horas para o provedor retirar da rede o material considerado ofensivo. A retirada tem caráter provisório, até que seja analisado o mérito da reclamação, e o prazo começa a ser contado a partir da denuncia feita pelo reclamante ao provedor. A ministra Nancy An­drighi, relatora do caso, entendeu que ele se reveste de interesse coletivo, “não apenas pelo número de usuários que se utilizam desse tipo de serviço, mas sobretudo em virtude da sua enorme difusão não só no Brasil, mas em todo o planeta, e da sua crescente utilização como artifício para a consecução de atividades ilegais”.

Segundo informa a revista eletrônica “Consultor Jurídico”, a ministra observou que o STJ ainda não definiu qual prazo deve ser dado para um provedor retirar as páginas ofensivas da rede, após receber a denúncia, mas salientou que a grande velocidade da internet exige que os provedores também ajam com rapidez para atender a reclamação. “Se, por um lado, há notória impossibilidade prática de controle, pelo provedor de conteúdo, de toda a informação que transita em seu site; por outro lado, deve ele, ciente da existência de publicação de texto ilícito, removê-lo sem delongas”, afirma a ministra, que estabeleceu o prazo de 24 horas para a retirada do material considerado ofensivo.

A ministra Nancy Andrighi acrescentou ainda: “Embora esse procedimento possa eventualmente violar direitos daqueles usuários cujas páginas venham a ser indevidamente suprimidas, ainda que em caráter temporário, essa violação deve ser confrontada com os danos advindos da divulgação de informações injuriosas, sendo certo que, sopesados os prejuízos envolvidos, o fiel da balança pende indiscutivelmente para o lado da proteção da dignidade e da honra dos que navegam na rede”. Uma afirmação linguisticamente equivocada, pois as pessoas que não integram a rede (e elas existem) também merecem ter a sua honra protegida. Esse lapso meramente linguístico (pois é óbvio que a ministra deve estar pensando na honra de todas as pessoas ao fazer a afirmação) trai o viés excessivamente preventivo e não punitivo da Justiça brasileira, daí a preocupação maior em querer que o próprio provedor policie preventivamente a internet ao invés de punir, posteriormente, os infratores.
Filtro invisível

Também merece reflexão o prazo de apenas 24 horas para a retirada do conteúdo considerado ofensivo. Em sua defesa, o Google havia alegado que a demora de dois meses para retirar o conteúdo, no referido caso, foi em decorrência do imenso fluxo de informações que precisa processar cotidianamente, inclusive as análises decorrentes de ações judiciais. Um argumento que o STJ não aceitou, alegando que a retirada do conteúdo será em caráter provisório e o possível dano que vier a causar será temporário. De fato, os grandes provedores estão cada vez mais avançados e, em tese, podem cumprir essa determinação. Segundo Eli Pariser, no livro “O Filtro Invisível” (Editora Zahar, 2012), o próprio Google, desde 4 de dezembro de 2009, passou a funcionar com 57 sinalizadores que rastreiam o modo de navegação de cada usuário, criando um perfil individual para cada um, a partir do qual é configurado o serviço oferecido pelo provedor, que passa a se adaptar ao usuário.

Entretanto, mesmo se for tecnicamente possível para o Google e demais provedores retirar um material suspeito de difamação em apenas 24 horas, para posterior averiguação, como recomenda o STJ, isso pode não ser desejável do ponto de vista da liberdade de informação. Já imaginaram se a moda pega no jornalismo político? Especialmente em época de eleição, os pedidos de retirada de material, ainda que temporária, devido a queixas mútuas dos adversários, acabarão inviabilizando o direito do cidadão de ser informado. Mais grave ainda é se a apresentadora Xuxa Meneghell, que pretende recorrer da decisão do STJ, porventura vier a ganhar a causa no STF, como acredita seu advogado, que disse que a guerra está só começando. Já imaginaram se a exemplo do que pretende Xuxa com as palavras “pedofilia” e “pornografia”, o ex-deputado José Dirceu conseguisse convencer a Justiça a obrigar os provedores a retirar todos os links que o associam a “corrupção” ou “mensalão” — para ficar num só exemplo entre os muitos casos de políticos que iriam se aproveitar de uma possível vitória da “Rainha dos Baixinhos” contra o Google?

O Brasil parece estar criando o hábito de processar o Google, o que reflete uma tendência geral do brasileiro de esperar tudo do Estado, inclusive a defesa de sua liberdade ou a proteção de sua própria honra. Nosso país é campeão mundial de reclamações contra a empresa, superando até os Estados Unidos. Desde 2010, quando o Google começou a divulgar, semestralmente, o número de pedidos oficiais de remoção de conteúdo que enfrenta em todo o mundo, o Brasil sempre aparece no topo da lista. No primeiro balanço divulgado pela empresa, relativo ao 2º semestre de 2009, o Brasil já surgia com 291 pedidos de remoção, seguido pela Alemanha (188 pedidos), Índia (142), Estados Unidos (123) e Coreia do Sul (64). No segundo semestre do ano passado (o último balanço divulgado), o Brasil continuou liderando a lista com 128 reclamações, seguido pelos Estados Unidos (117), Alemanha (60), Ar­gentina (39) e Turquia (32).

O ano em que o Google registrou o maior número de pedidos de retirada de material oriundos de sua filial brasileira foi justamente em 2010 — por ser um ano eleitoral. Ao todo foram 398 do Brasil contra 149 da Líbia, 128 dos Estados Unidos, 124 da Alemanha e 94 da Coréia do Sul. No segundo semestre, como a campanha já estava nas ruas e a própria Justiça Eleitoral intensifica a fiscalização do pleito, houve uma redução do número de reclamações. Mas o Brasil manteve a liderança, com 146 pedidos, seguido da Alemanha (72), Estados Unidos (39), Itália (31) e Argentina (21). E a tendência é que as querelas jurídicas envolvendo a internet aumentem ainda mais, pois a própria Justiça Eleitoral estimula esse tratamento equivocado, ao policiar até o Twitter, como se a rede mundial de computadores fosse como o rádio, a TV e o jornal.
Serra injustiçado

Essa visão completamente equivocada já começou a fazer estragos na eleição municipal em São Paulo. Em 31 de maio último, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afrontou mais uma vez a Lei Elei­toral e promoveu uma verdadeira patuscada eleitoral no “Programa do Ratinho”, no SBT, quando fez campanha, de modo explícito e ilegal, para o seu candidato a prefeito Fernando Haddad, também presente ao programa. Foram mais de 40 minutos de propaganda eleitoral não contabilizada, em que Lula e Ratinho enalteceram Haddad e atacaram os tucanos. Resultado: Lula, Ratinho e Haddad foram multados, cada um, em R$ 5 mil. Uma piada! Ratinho cobra em torno de R$ 100 mil reais por inserções de 30 segundos em seu programa. Se Lula tivesse de pagar os mais de 40 minutos de propaganda eleitoral privada, provavelmente teria de gastar uma fortuna.

O descompasso entre a Justiça Eleitoral e o bom senso se mostra ainda mais flagrante quando se constata que o candidato tucano José Serra, que disputa a Prefeitura de São Paulo com Haddad, também foi multado em R$ 5 mil reais.

Seu crime? Propaganda eleitoral antecipada na internet, segundo queixa do PT, aceita pela Justiça Eleitoral. Segundo seus adversários, Serra usou o seu próprio sítio para divulgar sua candidatura de forma precoce e, nos comentários dos internautas, não havia uma só crítica ao candidato tucano, apenas apoio à sua candidatura e críticas aos adversários.

Um absurdo! Quando é que a Justiça brasileira vai entender que Internet é como rosto, cada um tem o seu e se expressa como quer?

O sítio de Serra não entrou no computador de nenhum eleitor sem a anuência deste; diferentemente da entrevista de Lula no SBT, que pôde ser vista a contragosto por quem estava numa lanchonete ou esperando ônibus numa rodoviária, por exemplo. Os televisores se tornaram uma praga urbana e já não é possível ter controle sobre eles. Por isso, uma irregularidade eleitoral na TV jamais poderia gerar a mesma multa de uma irregularidade eleitoral na internet. A rigor, campanha eleitoral na internet deveria ser totalmente liberada, pois o eleitor-internauta tem total controle sobre ela, podendo não só jogá-la no lixo como até mesmo produzir um blog inteiro — de graça e superior — ao blog do candidato que o estiver importunando.

Para se ter uma ideia do quanto a internet ainda iguala poderosos e humildes, dispensando o concurso policialesco do Estado e, sobretudo, da Justiça Eleitoral, basta comparar os vídeos do blog de Serra, que lhe renderam uma multa de R$ 5 mil, com o vídeo do menino Dhey­merson, um simpático gordinho do Ceará, de 11 anos, que canta a música “Pintinho Piu”. Enquanto no sítio de Serra, com toda a estrutura de que dispõe, seus 12 vídeos ficam aquém de 6 mil acessos cada um, o “Pintinho Piu”, até a noite de sexta-feira, aparecia com mais de 9,9 milhões de acessos numa cópia e mais de 7,1 milhões em outra, totalizando só nessas duas cópias mais de 17,1 milhões de acessos.

Esse fato serve de reflexão até para os crimes contra a honra na internet: por que acionar a cara e demorada Justiça brasileira contra um internauta difamador se o ofendido pode responder na mes­ma moeda e até com mais sucesso? Por enquanto, a internet ainda destoa da economia: ela é a arte de administrar recursos infinitos — bastando a criatividade.
fonte:opção
 

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