sexta-feira, 13 de julho de 2012

No Brasil, recuo perigoso

                                   
                                          
O Planalto levou Molon a recuarMolon a recuar
Por pressão das empresas de telecomunicações, relator do Marco Civil da Internet dilui dispositivo que garantia neutralidade na rede




Os defensores da liberdade na internet têm motivos para ficar alertas também no Brasil. O Marco Civil — uma proposta muito avançada de regulamentação da rede, apresentada pelo Executivo, durante o governo Lula — está tramitando no Congresso Nacional sob fortes pressões. Nesta quarta-feira (11/7), a Comissão Especial da Câmara dos Deputados que analisa a proposta não votou o relatório do deputado Alexandre Molon (PT-RJ). Faltou quórum. E, embora tenha mantido, na essência, os pontos positivos da proposta, o próprio parlamentar recuou de uma posição importante. Ele aceitou as sugestões do ministério das Comunicações para diluir, em sua proposta, um dispositivo que assegurava a chamada “neutralidade da rede” — ou seja, a garantia de que não haverá, na internet, nem conteúdos privilegiados, nem relegados a segundo plano.
O projeto de Marco Civil é fruto de lutas sociais singulares e de uma articulação muito hábil com os poderes institucionais. Em 2009, o Brasil esteve a ponto de criar uma lei que estabelecia mecanismos de controle e censura sobre a internet. A pretexto de “combater a pedofilia”, um projeto do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) permitia eliminar conteúdos considerados “piratas” sem, sequer, decisão judicial. Foi chamado de “AI-5 digital” e rechaçado numa sequência de atos que reuniram ativistas e setores da esquerda institucional.
O presidente Lula abraçou a causa num ato simbólico. Em julho daquele ano, durante o 10º Fórum Internacional do Software Livre (FISL), ele assegurou que seu governo vetaria o projeto, caso aprovado no Legislativo. E aceitou uma proposta-chave da sociedade civil: o papel principal do Estado brasileiro deveria ser o de garantir direitos e liberdades na internet. As punições — obviamente necessárias, nos casos de atos criminosos — deveriam fazer uma parte do ordenamento jurídico sobre a internet, nunca o seu centro.
Esta diretriz resultou, após dois anos de estudos, na proposta do Marco Civil. Sua versão inicial foi formulada numa parceria entre o ministério da Justiça e a escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Inovou-se também na forma: o texto foi submetido a audiências públicas em diversas capitais e a um trabalho colaborativo. Por meio da plataforma e-Democracia, compilou-se opiniões de representantes de entidades e empresas ligada à rede, juristas, academicos e governo.
Ao contrário de inúmeras leis restritivas, aprovadas ou em debate em diversas parte do mundo, o Marco Civil (Projeto de Lei nº 2.126/11) é, em essência, libertário. Segundo Molon, “garante (…) a privacidade, pois o texto estipula que os dados privados não podem ser tratados como mercadoria sem a permissão do usuário (…) a liberdade de expressão (…) e a neutralidade da rede, o que significa que nenhuma empresa será beneficiada e que todas as informações que trafegam na internet devem ser tratadas da mesma forma, navegando com a mesma velocidade”.
Acuados, os conservadores procuram ganhar tempo e exploram contradições no governo. Seu alvo atual é o princípio de neutralidade. Nos últimos dias, parlamentares conservadores investiram contra um dispositivo, em especial, no relatório de Molon. O projeto admitia a possibilidade de exceções à neutralidade (para privilegiar, por exemplo, dados relativos a catástrofes e situações de emergência). Mas estabelecia que tais casos seriam definidos por um órgão democrático — o Comitê Gestor da Internet (CGI), de que participam técnicos, políticos profissionais e a sociedade civil.
As empresas de telecomunicação argumentaram que o CGI não faz parte da estrutura formal do Estado brasileiro. E parecem ter obtido apoio do ministério das Comunicações e da Casa Civil. O deputado Molon participou de uma bateria de reuniões com estes órgãos, nos últimos dias. Entre terça e quarta-feira, aceitou fazer uma pequena alteração em seu texto. Este passou a dizer, simplesmente, que as exceções à normalidade serão regulamentadas num momento futuro — “ouvido o CGI”… Mesmo assim, não houve votação. Apesar de contemplados pelo recuo do relator, os parlamentares conservadores optaram por postergar o debate no mínimo até o segundo semestre, quando haverá risco de novas postergações, devido ao esvaziamento do Congresso com as eleições municipais.
A concessão é pequena. Caso aprovado na redução atual, o Marco Civil será, certamente, uma das leis sobre internet mais avançadas do mundo. O que mais preocupa é o fato de os conservadores terem recorrido, com sucesso, a uma tática fartamente usada na Constituinte de 1986. Eles pressionam e fingem negociar. Arrancam concessões pontuais. Mas veem a primeira vitória apenas como alavanca para conseguir mais concessões.
Há chance de reagir a tempo. Mas é preciso atenção: a mídia comercial tentará esconder o debate. Será preciso acompanhar atentamente a tramitação do projeto, e agir muitas vezes, para evitar que o importantíssimo avanço obtido em 2009 escorra entre os dedos das mãos.

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